há os dias de forçar o verão
hoje foi dia de forçar a chuva
tirei os sapatos e sai de casa
sai sem regras, sem horários, sem pudores
tirei as pilhas do relógio e esperei os ponteiros pararem de andar
pararam
agora posso ir.
te falei que não tenho ritmo
e na minha canção, faltam algumas notas
talvez estivessem ali fora
mas por que a chuva parou agora?
andei debaixo de um céu que se abriu
andei debaixo de rios que correm pelas ruas sujas
sob olhares de homens ocos da cidade que não pára
e do lado de gente invisível que vive a partir
pode ser que haja mesmo certo encanto nesse recato
debaixo de panos longos, há de ter contornos suaves
e em contornos suaves, haverá perdição
em todos os sentidos
sentidos de todos os jeitos
escorreu
sabia que iria escorrer
primeiro pelos cabelos despenteados, e então até os olhos
manchando mais ainda a maquiagem desbotada
lavando o cabelo pintado que se misturava com unhas fingidas
não moça, hoje não vai chover mais
mas choveram filetes perdidos
e os respingos me trouxeram algum sorriso que havia esquecido
talvez numa esquina, num bueiro, numa desilusão qualquer
sob os holofotes, guardei besteirinhas numa caixa
deixei lavar o que não sabia que aqui estava
e até então incomodava silenciosamente
sou mulher.